Não faz muito tempo que a linda ruiva Felícia Day (a Vi do seriado Buffy) cantou as virtudes dos MMORPGs (Jogos de Interpretação Massivos Multiplayer em uma tradução literal). Assim como nos jogos tradicionais, seu personagem é mais bonito, interessante e divertido do que você jamais será na vida real, mas diferente deles, aqui você pode se relacionar com outros jogadores, e até engajar um namoro entre os personagens, sem as doenças e problemas que assombram os namoros na vida real.
De fato, quando surgiu, em 1986, este tipo de jogo interativo não interessou tanto, sobretudo pela dificuldade de conexão em uma era antes da popularização da internet. Na segunda metade dos anos 90, com games como Ultima Online, os MMO criaram uma verdadeira febre entre os gamers. Com a chegada do infame Second Life, em 2003, a febre saiu do meio dos amantes de videogames para atingir donas de casa, executivos, profissionais liberais e até empresas como a Petrobrás, que apostaram em reuniões e palestras diretamente no mundo virtual.
Empresas de games, como a Blizzard, viram nos MMO uma mina de ouro infinita. Era uma oportunidade muito boa para elas. Até então a coisa funcionava assim, uma empresa passava um ano ou mais desenvolvendo um bom game, empacotava ele e distribuia, do preço, suponhamos 25 dólares, ao qual o game era vendido, boa parte ia pagar coisas como transporte, mídia física (CD, DVD...), embalagem, manual impresso e estocagem. Os consumidores finais iriam para a loja, comprariam o game, pagando em uma mordida só o preço (30 dólares, por exemplo), e pronto, a empresa recebia seu lucro e passava a desenvolver o próximo jogo, normalmente usando um engine melhor, gráficos mais avançados e outros recursos que demandavam tempo e dinheiro.
Com os MMO, a empresa passava a lucrar mais e economizar mais. Ao invés de vender um game "acabado", a empresa cobrava uma mensalidade do jogador (14 dólares, por exemplo) diretamente, eliminando custos ao liberar o game por download. Ao invés de investir em novos games ou em melhorias técnicas, a empresa poderia se concentrar em lançar extras para o MMO (normalmente cobrando mais ainda dos jogadores). Era menos dispendioso criar uma espada longa vermelha mudando a paleta de cor do objeto do que investir em um novo engine e novos designs. Fora que o pagamento de mensalidade gerava um fluxo constante de dinheiro para a empresa, que só tendia a crescer conforme as pessoas fossem se entusiasmando com o game.
Nenhuma empresa capitalizou tanto em cima dessa ideia quanto a Blizzard. Jé tendo uma base de fãs dos RTS da série Warcraft, ela passou a se dedicar cada vez mais ao MMO World of Warcraft, abandonando projetos, lançando games pela metade e adiando séries famosas ad eternum, mas sem abrir mão do lucrativo RPG que os manteve funcionando por quase uma década (sem lançar qualquer outro tipo de game).
Mas não se engane em achar que apenas a Blizzard encheu os bolsos com a febre dos MMOs. Do outro lado do mundo, na Coréia do Sul e no Japão, empresas inteiras foram montadas da noite para o dia, escoradas apenas em um ou outro título de jogo MMO. O próprio Second Life tem uma economia virtual de 567 MILHÕES, se fosse um país real, estaria com uma Renda Per Capita e um PIB maior que muitas nações da África e da Oceania... Milhares de empresas, de montadoras de automóveis a gigantes do petróleo, preferiram abrir filiais no mundo virtual de Second Life e pagarem salários em Linden Dólar (moeda do mundo do game) ao invés de abrirem as mesmas filiais no mundo real, gerando salários reais.
Em certo ponto entre 2008 e 2009, a quantidade de MMOs expandiu de tal forma que os games singleplayer pareciam fadados à extinção. Não apenas RPGs, mas RTS (estratégia em tempo real) e FPS (Jogos de tiro) ganharam versões em MMO. Até mesmo a revista pornográfica Playboy, cujo dono Hugh Hefner sabe farejar dinheiro como ninguém, entrou na onda dos MMOs.
Hoje, em 2011, estamos vendo uma crise no MMO similar à que detonou boa parte das empresas "pontocom" dos anos 90. Os principais títulos, como Second Life e World of Warcraft estão perdendo jogadores como nunca antes. O MMO da Blizzard, assim como Age of Conan, Lord of the Rings MMO e Dungeons & Dragons Online, todos títulos baseados em universos pré-existentes cheios de fãs, chegaram em uma crise tão profunda que a solução encontrada foi transformar o game em um jogo gratuito. Seria o equivalente à Ford ou a Fiat venderem muito bem por quase dez anos e de repente serem obrigados a distribuir carros de graça para os consumidores. Isso sem contar outros games baseados em universos famosos, como Warhammer MMO e Star Wars Galaxies, que sofreram tanto com a perda de jogadores que praticamente sumiram do mapa.
Um dos motivos está bem visível. Via de regra, MMOs como World of Warcraft são vendidos assim:
"Olha, é um game onde você vai ser um líder, fazer a diferença, onde você pode ser alguém no mundo, libertar uma raça, salvar um planeta..."
"Vai conhecer pessoas legais no mundo inteiro, criar grandes tramas, viver grandes aventuras e romances, explorar locais belíssimos..."
Mas na prática, MMOs normalmente são assim:
Games de dez anos atrás, visualmente poluídos, com gráficos, sons e animação inferiores, habitados por todo tipo de gente, incluindo jogadores compulsivos que calculam cada ponto de habilidade para construir personagens invencíveis, com o simples propósito de exterminar jogadores recém chegados, ou que estão mais interessados em ver o mundo e interagir com outros jogadores do que medir forças em combate.
Não que não seja interessante duelar em um MMO, mas o jogador casual, que nunca pegou em um game e entra em um MMO seduzido pela propaganda acaba abandonando o game, muitas vezes antes de ser morto pela terceira vez por algum "PK" (Player Killer) que ficou horas calculando o melhor combo para seu personagem. Até a série americana South Park resolveu fazer uma sátira disso em um dos seus melhores episódios, chamado "Make Love, Not Warcraft".
Outro culpado do declínio dos MMOs são os games coreanos e japoneses. Com o grande sucesso dos MMOs no começo dos anos 2000, os americanos logo imundaram o mercado com games muito semelhantes. Em muitos aspectos World of Warcraft, Warhammer MMO, Age of Conan, Dungeons & Dragons Online e Lord of the Rings Online eram parecidos demais para um mercado tão novo, e os jogadores de um deles não perderiam tempo nem dinheiro com outro jogo praticamente idêntico.
Os primeiro a perceber isso foram os orientais. Para fazer frente aos games americanos, eles resolveram colocar um atrativo extra no pacote, jogos gratuitos com a mesma qualidade dos games pagos. Muitos países, como o Brasil, não tem uma cultura de pagar algo intangível, muito menos de pagar com cartão de crédito. Pagar para jogar um game por um mês apenas é visto por muitos como desperdício de dinheiro, e é ai que os MMOs orientais alcançaram mercados novos com seus games gratuitos.
Mas qual o segredo de empresas como a coreana Netmarble para se manter sem cobrar a terrível mensalidade? Aqui está algo que só agora os MMOs americanos estão aprendendo. Ao invés de pedir uma taxa para não te impedir de jogar um game online (que soa como extorsão e desperdício para muitos), a empresa daria o game de graça, mas ofereceria "extras" para serem comprados dentro do jogo. Uma arma especial, uma roupa diferente, um navio novo ou simplesmente mais dinheiro virtual, para dar vantagens a uma jogador pagante. Muitas pessoas que torcem o nariz para pagar 20 dólares por mês em um MMO não vêem problema em gastar os mesmos 20 dólares para comprarem quatro espadas mágicas em um jogo "grátis".
O modelo de ganho ao qual empresas como a Blizzard se acostumaram durante os anos 2000 está cada vez mais ameaçado. Para sobreviver no modelo dos MMOs orientais gratuitos, as empresas vão ter que se empenhar em produzir alguma coisa on-line que valha o preço, atualizar o jogo como um todo e investir em algo que os jogadores desejem. Não adianta mais tacar duas raças extras quaisquer e uma ou duas cidadezinhas e esperar que todos paguem para não perderem seus personagens de longa data, os MMOs terão de ser tratados com mais profissionalismo, como os games singleplayer, e não mais como minas de ouro para pegar jogadores incautos.
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