15 de janeiro de 2012

iHell - Quem sofre montando os nossos gadgets?


























iHell - Quem sofre montando nosso gadgets?

Amigo gamer, o que você pediu de natal no final de 2011? Um iPad? Um iPhone? Um Xbox360? Hardware para seu PC?

Considerando que todos nós adoramos geringonças eletrônicas, sobretudo se tiverem algum tipo de jogo envolvido com elas, é bem possível que você já tenha, senão ganhado, pelo menos desejado um desses objetos de alta tecnologia.

O que me diz de trabalhar com eles então? Construindo videogames, cercado de tecnologia por todos os lados, que tal? Animador, não? Ainda mais quando as empresas mostram suas sedes e escritórios assim:





Lindo, não é? Todo mundo feliz, contente, alegre, se divertindo, videogames por todos os lados, quadras, quinquilharia nerd... É o paraíso onde todo mundo gostaria de trabalhar, certo? Certamente o Xbox360, seus periféricos e os aparelhos da Apple saem de laboratórios pristinamente brancos, com robôs e esteiras brilhantes...

Pois então, meu amigo, deixe-me mostrar algo que vai mudar um pouco seus conceitos sobre empresas de tecnologia...

Abandonai Toda Esperança, Ó Vóis Que Entrais


Sim, robôs estão disponíveis hoje em várias fábricas, mas eles são caros, demandam manutenção e costumam consumir muita eletricidade. Empresas como a Microsoft e a Apple (e não só elas) tem conseguido baixar o preço de seus produtos usando outra estratégia. Enquanto as belas sedes e campus vistos ai em cima são territórios de engenheiros, programadores, projetistas e publicitários, a produção mesmo dos objetos é terceirizada para outros países e outras empresas. De preferência países onde há pouca ou nenhuma lei trabalhista, ignoram Direitos Humanos, sofrem com superpopulação e podem prover uma quantidade enorme de mão-de-obra extremamente barata, e empresas que não dão a mínima para seus funcionários e tem menos ética e moral do que GlaDOS e Hitler. Juntos.

Funcionários motivados. Tente adivinhar a quanto tempo
 estão sem comer ou dormir...
Bem vindo à Foxconn, subsidiária da Hon Hai, empresa de componentes elétricos e montagem de  eletrônicos. A multinacional opera em diversos países, incluindo Brasil, mas em nenhum lugar se compara com a matriz chinesa (do Taiwan).

Agora em Janeiro de 2012, mais de 300 funcionários paralizaram suas atividades, subiram no telhado da fábrica que monta consoles Xbox360 e prometeram se jogar de lá. Segundo ONGs de apoio aos trabalhadores da China, os funcionários estão revoltados com as condições subhumanas às quais são obrigados a trabalhar, com turnos de até 60 horas seguidas, falta de higiene das instalações, falta de treinamento, violência física e psicológica, discriminação racial (dos chefes e gerentes taiwaneses para com os chineses continentais e imigrantes de outros países asiáticos), falta de pagamento e de segurança. A gota d'água veio quando a empresa resolveu transferir os funcionários de um setor para outro, sem qualquer treinamento, aviso prévio ou consulta. Um belo dia os funcionários que montavam Xbox360 foram obrigados a montar aparelhos de Kinetic, sem fazer a mínima idéia de como montar o periférico... e ainda ganhando menos.

A empresa deu um ultimato para os trabalhadores descontentes. Ou eles adivinhavam como montar Kinetic e voltavam ao trabalho ou podiam se demitir, recebendo o salário do mês. 150 se demitiram no ato. A Foxconn, então, colocou sua troll face para funcionar e não pagou um centavo aos funcionários, que já estavam sem receber a algum tempo. Desesperados, eles optaram pelo suicidio coletivo, mesmo porque o individual é comum por lá...

Empregado se suicida dentro da Foxcoon cortando o próprio
pescoço. Novos postos de trabalho disponíveis...
Sim, você leu certo, não é a primeira vez que alguém se mata dentro das fábricas da sombria Foxconn. Só em 2010, 14 pessoas se mataram dentro das fábricas em horário de trabalho, mais de um empregado por mês.

Suicídios são tão comuns por lá que a empresa resolveu tomar algumas atitudes. Você pensa que isso inclui palestras, atividade física e assistência psicológica? Não não, as "atitudes" são mais estilo III Reich, como colocar grades nas janelas, trancar os empregados dentro dos dormitórios e forçar novatos a assinarem acordos isentando a Foxconn de qualquer responsabilidade por eventuais mortes causadas por acidentes, suicídios ou tortura. Funcionários que dêem sinais de estarem exaustos (considerando que todos trabalham 15 horas por dia sem poder para para ir ao banheiro ou comer) são prontamente socorridos pelos atenciosos capangas da empresa e encaminhados para o Instituto de Saúde Mental de Shenzen, um sanatório particular onde - supresa - os internos são obrigados a trabalhar em linhas de produção da Foxconn...

Estranhou a presença das palavras "capanga" e "tortura" acima? Pois é, a "segurança" da empresa é famosa por aplicar castigos físicos a empregados e jornalistas que tentam se infiltrar nas fábricas. E não apenas espancamentos e violência física são empregados, mas também e principalmente, violência psicológica. Segundo um jornalista do jornal britânico Daily Mail, que se infiltrou com sucesso entre os empregados, as fábricas da Foxconn operam em um bizarro sistema de "pontos".

Teoricamente os trabalhadores recebem 20 libras por mês (em torno de 40 reais), mas a cada "ponto" tem dinheiro descontado de seu salário. Recebem pontos empregados que estão com unhas longas, bocejam, andam rápido, andam devagar, comem, bebem líquidos ou se sentam no chão por alguns segundos após quinze horas seguidas em pé. Desmaios e doenças também acrescentam pontos e diminuem o salário, tornando comum empregados chegarem ao fim do mês "devendo" a empresa. Não bastasse isso, acidentes também são passíveis de punição, sendo que um dos empregados que se suicidou em 2010, após sofrer um acidente com ferramentas na linha de produção, foi obrigado a lavar latrinas imundas por semanas, sem receber, como punição.

Trabalhadores da Foxconn ameaçando se jogar de cima da
fábrica. A Microsoft diz que "não é nada"...
Some a isso as péssimas condições de higiene do lugar. Baratas, aranhas, formigas, ratos e outras pragas caminham por todo lado, principalmente nos dormitórios, que contam com beliches triplos, sem colchão, janelas apenas nas portas (como em uma cadeia) e um calor de até 35ºC no verão chinês ou um frio de temperaturas negativas no inverno. Aquecedor e ar condicionado são absolutamente inexistentes por lá.

Funcionários também dividem os alojamentos com trabalhadores que fazem outros turnos, o que garante que sempre tenha gente chegando e saindo do mesmo quarto o tempo todo. Conversas contam "pontos" que são descontados do salário, portanto não há quase qualquer comunicação com outros trabalhadores, exceto quando todos cantam o hino da empresa e gritam palavras de ordem ditadas pelos capangas e gerentes das linhas de produção.

Também é comum haverem acidentes envolvendo produtos químicos como o Hexano, usado para colar os logos da Apple nos iPad e iPhones. Em contato com a pele o Hexano danifica o sistema nervoso, causando perda de sensibilidade, dores crônicas e morte. Em outra ocasião a fábrica indiana da empresa resolveu bater pesticidas sem evacuar os locais, e mais de 250 empregados foram direto para o hospital envenenados.

As condições de trabalho no local são tão feias que 20 universidades chinesas conduziram uma pesquisa conjunta comparando a Foxconn de lá com campos de trabalho forçado e campos de concentração, e descobriram que além de tudo isso ainda é comum a prática de horas extra compulsórias que podem durar até 60 horas seguidas (!!!). Em uma dessas maratonas intensivas um funcionário chamado Chen Long morreu de exaustão.

O Horror, O Horror


Infelizmente, infernos como estes não tem uma só causa. Para indústrias como a Foxconn existirem é necessário uma grande combinação de fatores, como empresas querendo baratear os preços de seus produtos, consumidores vorazes por novidades, ganância de CEOs e executivos de grandes corporações, governos que não se interessam por seus trabalhadores, superpopulação, desemprego e pobreza em países superpopulosos como a China e Índia e o próprios sistema capitalista em geral.

CEO da Microsoft Steve Ballmer. Not a single
fuck was given that day...
Mas como evitar isso? Imagine que você é o dono de uma megacorporação, o Bill Gates, por exemplo, e de repente você lê nos jornais que uma das fábricas que montam o produto que você vende, que tem sua marca e que você aparece na TV apresentando, é construído em um local tão subhumano que as pessoas preferem cortar o próprio pescoço do que trabalhar lá. O que você faz? Fecha o contrato com a empresa? Processa eles? Compra a fábrica e melhora as condições de trabalho para todo mundo?

A Microsoft e o seu atual CEO Steve Ballmer (Bill Gates se aposentou à algum tempo)  pensa um pouco diferente. A empresa divulgou um comunicado onde cita que:


"A Microsoft é uma das empresas que tem contrato com a Foxconn para manufaturar hardware. Depois de ficar sabendo do protesto dos trabalhadores em Wuhan, nós imediatamente conduzmios uma investigação independente da questão.
Depois de falar com os trabalhadores e a gerência, é do nosso entendimento que o protesto dos trabalhadores era relacionado a políticas de transferência e alocação de pessoal, e não a condições de trabalho. Devido a ajustes normais de produção, a Foxconn ofereceu aos seus funcionários a opção de serem transferidos para linhas de produção alternativas ou pedirem demissão e receberem todo o salário e bônus devidos, de acordo com o tempo de serviço. Depois do protesto, a maioria dos trabalhadores escolheu voltar ao trabalho. Uma pequena porção desses empregados se ofereceu para pedir demissão.
A Microsoft leva muito a sério as condições de trabalho nas fábricas que montam seus produtos. Temos um Código de Conduta rígido que explicita nossas espectativas e monitoramos de perto e regularmente as condições de trabalho para lidar com questões assim que elas surgem. A Microsoft é comprometida com o tratamento justo e com a segurança dos funcionários empregados pelos nossos parceiros para garantir a conformidade com as políticas da Microsoft."


Bill Gates, eternamente executivo da companhia que ajudou a fundar, não se manifestou até hoje. Repare que a nota oficial da Microsoft não faz qualquer menção a suicídio ou às condições do local, mas nem de longe é tão cínica quanto foi o finado Steve Jobs, que ao ser questionado sobre os suicídios nas linhas de montagem do iPod disse algo como "Para uma fábrica é muito bom! Tem piscinas, restaurantes e hospitais!"

Pelo visto, enquanto os executivos das empresas continuarem pensando e agindo como se nada estivesse acontecendo, não poderemos mais pegar em um controle de videogame sabendo que não há sangue, sujeira e sofrimento de outros seres humanos por trás dele...

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