As notícias sobre o SOPA (Stop Online Piracy Act), o PIPA (Protect IP Act) e o soturno ACTA tiraram o sono de muito internauta brasileiro. Mas ainda que fossem terríveis medidas, elas iriam prejudicar apenas endereços e usuários de internet nos EUA e na União Européia... ainda estavam longe das praias brasileiras...
Eis que os gamers tupiniquins agora acordaram com uma nova ameaça, um projeto de lei que atende pelo número 170/06, proposto por um tal senador Valdir Raupp, que pretende classificar como crime de racismo “o ato de fabricar, importar, distribuir, manter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos".
Mas o que é isso?! Apocalipse Maia? O SOPA Brasileiro? Censura sobre jogos?
Calma calma... vamos ver um pouco mais sobre essa polêmica.
Valdir Raupp - Corrupção sim, games não
"Corrupto, eu?" |
Valdir Raupp de Matos é filiado ao PMDB de Rondônia, foi prefeito da cidade de Rolim de Moura e governador do estado, é formado em Administração de Empresas, foi diretor do departamento de estradas de rodagem e presidiu a Associação de Municípios do Estado de Rondônia. Atualmente senador, ele tem um currículo que realmente o coloca longe de alguém que respeita os "costumes, tradições e etc".
Atualmente ele é réu em ações penais movidas pelo Ministério Público por desvio de 167 milhões de dólares dos cofres públicos, é réu por peculato(crime contra administração pública), gestão fraudulenta, crime eleitoral e uso de documento falso. Em crimes eleitorais ele é recorrente, somando processos de 1998, 2006 e 2010...
Para ajudar a perceber como ele é um político honesto, ele ainda foi condenado em três processos, um pelo Tribunal de Justiça de Rolim de Moura (crime fiscal), um pelo Tribunal de Justiça de Rondônia por desvio de dinheiro e outro pelo Tribunal de Justiça de Porto Velho. Nestes três ele teve de pagar fianças e devolver o dinheiro que levou do povo.
Falando em "ofender" costumes (honestidade, idoneidade), tradições (gestão honesta de cargos públicos) e símbolos (não fraudar documentos oficiais), o nobre senador é bastante experiente...
Mas, vamos abandonar este nobre e honesto político (...NOT!) e dar uma olhada na lei que ele propõe...
O projeto 170/06 e a lei 7716
Antes que muita gente caia matando em cima do projeto por citar a palavra "videogame", vamos analizar melhor a proposta do honesto senador acima. O projeto de lei 170/06 pretende "Alterar o art. 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para incluir, entre os crimes nele previstos, o ato de fabricar, importar, distribuir, manter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos."
Vamos dar uma olhada na tal lei 7716 e o tal artigo 20. Para quem não sabe, a lei 7716, da época do governo Sarney (outro político famoso que talvez você conheça...), define os crimes resultantes de preconceito de raça (conceito antigo e racista, hoje em dia usamos o termo etnia) e cor de pele. Ampliada ao longo do tempo, a lei inclui também como crimes de preconceito a discriminação a religiões e procedências de outros países. É ela que assegura seu direito de frequentar qualquer loja, centro esportivo, parques de diversão, estabelecimentos comerciais, ser contratado em empresas privadas e prestar concursos públicos sem que ninguém te impeça por conta de sua cor de pele, crença religiosa ou país em que você nasceu.
Bebedouro para brancos e negros separados nos EUA. A lei 7716 impede que coisas assim aconteçam no Brasil |
O tal artigo 20 andou mudando bastante, mas já foi incluiu como crime de preconceito "Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito(...)". Hoje, mais amplo, ele considera como sendo crime "Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
Ou seja, na prática, os games já estão incluídos nesta lei e neste artigo. A proposta do nosso senador Raupp apenas especifica que videogames são sim um meio de comunicação social e expressão artística publicada, sendo portanto sujeitos às mesmas regras que já valem para livros, revistas, contos, poesias, filmes, músicas e etc.
...E o meu game? Vai ser proibido?
Antes que se crie um clima de paranóia, saiba que a grande maioria dos jogos, incluindo games violentos como GTA, não se enquadram na lei 7716. Não se preocupe, games como Mass Effect 3, GTAV e Diablo 3 NÃO VÃO ser proibidos por esta lei.
A esmagadora maioria dos jogos que você e eu jogamos se passa em universos fictícios. Até mesmo os baseados em fatos reais, como Assassins Creed e a série Total War, que usam enredos históricos, trazem a famosa advertência "Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência."
Ou seja, se em um game um personagem exibe ou induz o preconceito contra orcs, alienígenas, elfos ou mesmo uma tribo indígena fictícia ou um secto religioso que realmente existiu na Idade Média (como os templários de Assassins Creed), este não está ameaçando ou incitando o preconceito contra algo que existe. São personagens fictícios, ambientações fictícias, religiões, credos e raças fictícias, que não existem no mundo real e portanto não são sujeitos às leis brasileiras. Ponto. Crime contra orcs e aliens não é crime.
Sabe que games serão proibidos por essa lei? Pérolas como Muslim Massacre, Ethnic Cleansing, Cluster's Revenge e talvez jogos como Rapelay cujo enredo envolve exploração sexual de mulheres e estupro. Não conhece esses jogos? Não está perdendo nada, games como Muslim Massacre e Ethnic Cleansing foram programados praticamente no fundo do quintal por grupos racistas americanos, são terrivelmente toscos e não oferecem nenhum desafio além de sair atirando em modelos quadradões toscos (e normalmente desarmados) de pessoas negras e muçulmanos respectivamente.
As futuras vítimas da lei 7716. Já jogou algum deles? Não perca seu tempo, são péssimos mesmo... |
Se o projeto de lei 170/06 for aprovado e games toscos como Ethnic Cleansing forem proibidos, praticamente ninguém sentirá a falta deles. Mas e jogos como Resident Evil 5, onde a maioria dos inimigos tem pele escura (pelo jogo se passar na África), ou games históricos como Shogun 2 Total War? Se é possível matar monges budistas guerreiros nesse game ele poderia ser considerado ofensivo à religião budista?
Sacerdote de Age of Empires. Se eu matar ele, é uma ofensa à alguma religião? |
O Brasil simplesmente não tem dinheiro para contratar pessoas para ficar esmiuçando cada game que sai nas prateleiras a fim de encontrar conotações racistas ou discriminatórias. Ainda mais hoje, já que games como Skyrim são extremamente amplos e/ou contam com vários finais diferentes. Vai ver alguém grita alguma coisa racista naquele final alternativo número 200 que você só vê se pegar certo personagem com certo item no início do jogo, e mesmo assim só depois de ter terminado o game cinco vezes no nível hiper-hard nightmare...
Ou seja, se alguém se sentir ofendido por algum game, terá que apresentar uma denúncia à justiça, e então o fato será analizado. Ou seja, juizes que já levam um bom tempo para estudar e dar vereditos sobre uma conversa telefônica de dez minutos terão que ler toneladas de páginas de programação, diálogos gravados, assistir cenas e animações de um jogo para determinar se houve mesmo crime de racismo ou não. Até o jogo ser proibido, provavelmente ninguém mais estará jogando ele... Pense como iria afetar sua vida de gamer se hoje, em 2012, Resident Evil 4 fosse proibido por ser racista contra espanhóis... Pois é...
Baixei Ethnic Cleansing! E agora? Vou ver o sol nascer quadrado?
Claro, vez ou outra um jogo cria polêmica exatamente por ser ofensivo. Games como Postal, Carmageddom, Rapelay e até Mortal Kombat começaram sua fama desta forma. E claro, a curiosidade pode levar você a procurar esses jogos "controversos", seja para ver se são isso tudo mesmo (Mass Effect foi acusado de ter sexo explícito e estupro nos EUA... e não tem...) ou para descontar a raiva que você tem de certas pessoas e não pode (nem deve) extravasar na vida real.
Embora a lei proíba fabricar, importar, distribuir, manter em depósito ou comercializar estes jogos, não é especificado ser crime jogar, obter gratuitamente, possuir ou fazer download deles. Como esses jogos são normalmente distribuídos online, sem custo, você não estará cometendo um crime por pegar um na internet (a não ser no caso de pegar em um site pirata, pois pirataria ainda é crime!). Mesmo comprar, dentro do Brasil, não é considerado crime, exceto para a loja que importou e estocou...
E mesmo que a lei seja expandida para incluir o ato de jogar ou adquirir estes games, a polícia tem mais o que fazer do que sair de casa em casa examinando cada computador, HD externo e pen drive em busca de jogos. Me lembro da época em que games como Counter Strike, Carmaggedom, Requiem e outros foram proibidos pela Justiça, mas podiam ser encontrados à venda em qualquer loja de informática...
Mas por qual razão esse cara quer proibir jogos que ninguém joga?!
Ok, então a tal lei na verdade é uma coisa boa, e os jogos que serão proibidos são realmente ofensivos feitos por grupos de extrema direita nos EUA para causar controvérsia mesmo e quase ninguém joga eles... Mas por qual motivo o tal senador Valdir Raupp resolveu sair com essa agora?! Por acaso ele encontrou algum jogo onde o protagonista mata corruptos e se sentiu ofendido?!
A verdade ninguém sabe, mas eu tenho uma teoria (que pode ser verdadeira ou não). Políticos em geral costumam usar uma estratégia muitas vezes chamada de "cortina de fumaça". Quando as coisas estão pretas para o lado deles e seu nome começa a ser associado a coisas que eles não gostariam, muitos procuram criar alguma situação escandalosa e polêmica para "distrair" o povo.
Nero, Hitler, Bush e Raupp. Má fama? Invista em um assunto polêmico! |
Criar uma polêmica do nada simplesmente distrai o povo. Imagine se o senador Valdir Raupp vai querer ser sempre lembrado no Google e nos jornais como "aquele corrupto condenado três vezes e réu em um monte de escândalos de corrupção", muito melhor tirar da cartola uma lei (que na prática não muda nada) e que provoca polêmica por carregar a palavra "videogame" e de repente aparecer como um político preocupado que jogos induzam os brasileiros ao preconceito e a discriminação.
Aos olhos de muita gente que nunca jogou um videogame, ele parece estar combatendo um apartheid, mesmo indo contra um meio de entretenimento popular entre os jovens. E quando procurarem o nome dele no Google durante as próximas eleições, as páginas e notícias falando de seus escândalos de corrupção estarão soterradas por matérias que lembram dele como o senador que propôs que games racistas fossem proibidos.
Com o pânico dos gamers, já assustados com a ACTA, SOPA, PIPA e etc, um senador corrupto saltou, aos olhos do eleitorado, de mais um larápio a paladino da justiça, defensor dos jovens contra a ameaça do racismo. Mantenha a calma e continue se divertindo, mas anote o nome dele para não votar no mesmo sujeito nas próximas eleições...
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