Ou "Como o governo brasileiro e o budismo tibetano encaram os games"
Eis que hoje, ao abrir meu MSN (praticamente uma mania nacional), fui surpreendido por uma chamada sobre os games proibidos no Brasil. A lista, disponível em
http://jogos.br.msn.com/noticias/noticias-artigo.aspx?cp-documentid=21958387 é bem incompleta, falta por exemplo o clássico Requiem The Avenging Angel (proibido na mesma época de Carmageddon), mas revela algo interessante sobre o país em que vivemos.
No outro lado do espectro da intolerância, ignorância e prepotência de nossas autoridades, está Trinley Dorje, também conhecido como Karmapa Lama, o terceiro monge mais importante do budismo tibetano. A matéria pode ser vista no blog Nerds Somos Nozes http://www.nerdssomosnozes.com/2009/09/lider-budista-joga-games-e-os-defende.html , mas, em resumo, Karmapa Lama não só joga como defende os games, e principalmente os games violentos.
Nas palavras do monge: “Eu vejo os games como uma terapia emocional mundana. Todos nós temos emoções, sejamos praticantes do budismo ou não. Todos sentem felicidade, tristeza e outros sentimentos e precisamos lidar com eles quando afloram. Para mim pode ser um alívio, uma descompressão, jogar games. Se estou tendo sentimentos ou pensamentos negativos, posso descarregar essa energia dentro do contexto ilusional dos games. Me sinto melhor depois…”
A proibição da mídia dos games não é exclusividade do Brasil. Em outros países do continente americano, e na Europa, ela também faz suas vítimas. O mais recente foi o game Wolfenstein, que se passa na Segunda Guerra Mundial e foi proibido na Alemanha por... conter suásticas. Mas espera aí... a PRÓPRIA Alemanha foi que se apossou da suástica (até então um símbolo budista/ hinduísta) para torná-la o emblema do regime nazista!!! Seria o mesmo que proibir um game que se passe no Brasil Colônia de conter brasões do império português... Ou proibir um game que se passe na Roma antiga de conter os símbolos das legiões romanas...
A normalmente tão civilizada Inglaterra também sofre com censuras. Por lá é proibido o game Manhunt, da Rockstar. Curiosamente, filmes que inspiraram o game, como Fuga de Nova York, são permitidos...
Nos EUA, como mostra Michael Moore em seu documentário Tiros em Columbine, foi discutida a proibição dos antigos games da série Doom por causa do massacre de Columbine. Os jovens que atiraram em seus colegas eram jogadores costumazes de Doom, e, é claro, as autoridades logo decidiram culpar o game (e também o músico Marlyn Manson...) pelo massacre, e não o Wal Mart que vendeu as armas e munições usadas na chacina...
De fato, cabe ai uma comparação interessante. Brasil e EUA (eu desconheço a situação da Inglaterra e da Alemanha para poder comentar...) são bastante conhecidos como países onde a violência é quase generalizada. Em qualquer grande cidade destes dois países, você corre constantemente o risco de ser pego por uma bala perdida, sequestrado, assaltado ou coisa pior.
Mas vamos nos ater ao Brasil, nossa nação tão contraditória. O juiz Carlos Alberto, ano passado, havia proibido no país o jogo Counter Strike por "apologia ao crime", sendo que tal "apologia" dizia respeito a um mod, isto é, uma modificação feita por fãs, que colocava os policiais e terroristas do game para lutar nos morros do Rio de Janeiro.
Curiosamente a mesma justiça que vê como apologética uma mídia que coloca policiais virtuais combatendo terroristas virtuais, não vê problema algum em soltar um chefe do tráfico por "bom comportamento" no presídio. O crime real é até mesmo incentivado pela justiça brasileira, e os morros reais do Rio de Janeiro continuam em clima de guerra, com blindados, metralhadoras e fuzis. A justiça que acha Counter Strike subversivo não acha tão danoso, por exemplo, o ministro do Meio Ambiente ir fazer marcha no Rio pedindo liberação das drogas.
Recapitulando. Crime virtual, que não prejudica ninguém = Ruim. Crime real que mata, mutila, vicia e causa dano à saúde das pessoas e ao patrimônio público = Bom.
O mesmo juiz Carlos Alberto também proibiu o game Everquest (que sequer é vendido no Brasil), alegando que ele "desvirtuava os valores morais" ao permitir que os jogadores tomassem decisões de agir de maneira ética ou não no mundo virtual. A mesma justiça à que o juiz Carlos Alberto representa, no entanto, não acha "desvirtualizador dos valores morais" os representantes do povo roubarem o próprio povo. Tanto que absolveu boa parte dos envolvidos em escândalos como os do Mensalão, dos Sanguessugas, do Celso Daniel...
A mesma justiça que absolve conhecidos corruptos como Paulo Salim Maluf e compania, proibe que as pessoas tenham, em um mundo virtual, a opção de escolher agir de forma honesta ou não. Mais uma vez, desonestidade e falta de caráter em um mundo virtual, onde ninguém é lesado = Ruim. Desonestidade e falta de caráter no mundo real, com o seu dinheiro = Bom.
É neste contexto que entra o Karmapa Lama.
Com alguma pesquisa histórica, pode-se ver vários momentos onde religiões lançaram mão da guerra, da tortura e da crueldade para defender seu ponto de vista. A Inquisição católica, a Inquisição protestante (cuja caso mais conhecido foi o dos enforcamentos de "bruxas" na cidade americana de Salem), as Cruzadas, a Jihad islâmica que culminou no 11 de Setembro, a formação de Israel, que invadiu um território de outro povo alegando motivos religiosos...
No entanto, é difícil achar algum caso na História onde budistas pegaram em armas, invadiram algum lugar ou usaram de motivos religiosos para fazer guerra contra alguém. Os budistas são amplamente conhecidos no mundo todo como uma religião pacífica, de monges "gente boa" como o Dalai Lama e gordinhos vestidos de laranja, meditando e sorrindo.
Se tem alguém que entende de paz, não-violência e comportamento ético, provavelmente é um dos líderes de uma religião conhecida por exercer exatamente estes princípios na prática. Se o terceiro homem mais importante do budismo tibetano recorre aos games como um modo de se livrar de emoções violentas, exercendo a violência nata do ser humano em um contexto onde ela não prejudica ninguém, como o contexto virtual, esse talvez seja um exemplo a ser seguido.
Um exemplo muito mais importante, que diga-se de passagem, do que o dado pela Justiça brasileira, que não pensa duas vezes em trancar uma menor de idade em uma cela com trinta homens adultos, ou em passar a mão na cabeça de corruptos e ladrões.
Quem sabe se Sarney e Maluf decidissem roubar dinheiro "de mentira" em mundos virtuais, Suzanne Von Richthofen decidisse matar velhinas em Carmageddon, e Marcola e Fernandinho Beira-Mar decidissem erguer seus impérios criminosos nas cidades de GTA, o Brasil não seria um país melhor...
É claro que tudo isso é uma especulação bastante otimista. No entanto, a declaração do Lama tibetano e da Justiça brasileira nos faz pensar no modo como cada uma vê a questão da violência virtual. O líder religioso de uma religião conhecida por sua conduta pacífica, vê em games violentos uma forma de exercer o instinto agressivo do ser humano sem causar dano à outras pessoas. Já a Justiça brasileira, conhecida por manter criminosos soltos e inocentes atrás das grades (já cansei de ver no Fantástico aquelas reportagens do tipo "O velhinho que foi preso por um crime que não cometeu, foi torturado, estuprado, cegado, mutilado e etc e libertado depois de vinte anos, quando a Justiça reconheceu que o coitado era inocente..."), vê na violência virtual não uma oportunidade para as pessoas descarregarem o estresse do dia a dia, mas sim um concorrente à violência real, um bode espiatório, uma solução fácil (e virtual) para os problemas que ela não consegue resolver na prática. A Justiça não consegue acabar com o tráfico de drogas nos morros cariocas? Não tem problema, proibe-se o jogo onde você combate criminosos e logo "faz-se de conta" que tudo vai ficar bem. O morro virtual está livre! Pena que os problemas reais continuam...
Se a Justiça brasileira parasse de se preocupar com o virtual e fosse resolver os problemas reais, provavelmente o Brasil iria se tornar um lugar melhor para se viver...
Lo que es un buen puesto. Me encanta la lectura de estos tipos o artículos. Puedo? Esperar a ver lo que otros tienen que decir.
ResponderExcluirhola, Chicos, Acabo de añadir el feed a mis favoritos. Me gusta mucho leer sus mensajes.
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